Em “Fama e Anonimato” Gay Talese ensina-nos um novo Jornalismo, trançando a realidade, desvendo o real, noticiando o que não seria notícia no jornal tradicional. Mais que uma literatura, o relato de Talese revela, mostra e elucida: nas ruas estão as melhores pautas, nas calçadas os melhores assuntos, nos portões as mais preciosas fontes.
Caminhar pela cidade, extrapola as fronteiras teóricas da faculdade, proporcionando belas aulas práticas, numa vivência prazerosa e enriquecedora. A cada esquina uma novidade. Em cada faixa de pedestre uma pauta.
No ponto, aguardar o ônibus que não vem, além de cansativo é preocupante. Olhares no relógio anunciam a pressa, alertando o atraso. Com fones de ouvindo, as pessoas sequer se olham, fitando apenas a rua, na espera ansiosa da condução.
O trânsito se intensifica, enquanto nas calçadas, pessoas se aglomeram. Umas chegam, outras partem. Algumas simplesmente caminham. De manhã uns vão ao trabalho, ao colégio ou faculdade, cruzando com senhoras e senhores que simplesmente rodeiam por ali, acompanhadas pelo melhor amigo do homem, que precisa fazer as necessidades.
De pé, sob a placa “Ponto de ônibus”, começava a olhar para o relógio, dado o atraso do transporte coletivo. Conversas fazem com que o tempo passe mais rápido, e de forma mais gostosa, porém com os Ipods, cada um isola-se em seu “mundinho”, com trilhas sonoras que variam do sertanejo à eletrônica.
São nas horas de descrença que descobrimos o valor e voltamos a acreditar. Decepcionada com as relações entre as pessoas, a falta de contato pessoal, fui surpreendida com um belo cachorrinho, aparentando velhice, embora ainda houvesse força para levar seu dono para um passeio matinal. Dono esse, das antigas, que não dispensa um bom dia, e presenteia o nascer do sol com um sorriso. E também presenteou-me com tal. Cumprimentou-me num sorriso, já envolto a rugas e muita experiência. Senhor aperfeiçoado, bem vestido, guiado por seu cão. Junto a cordialidade fez-me um pedido: “A senhora tem cartão telefônico vazio?”. Curioso e surpreendente tratar-me como “senhora”, da mesma forma que fiquei surpresa com o pergunta. Não tinha o cartão, mas para aquele senhor não tinha importância. Logo resolveu a questão: “Então, quando a senhora tiver, me ligue”, passando-me na sequência seu número telefônico. A alegria e a expectativa de receber o cartão foi contagiante. Num belo abrir de lábios, desejou-me boa semana.
Ainda na espera, atentei-me a lucidez das pessoas ali no ponto, e percebi uma ignorância sentida. No entanto, o senhor “colecionador de cartões de telefone” que, talvez lembre-se apenas de seu passado, acometido por doenças da velhice, fez-me voltar a crer no homem. Acreditar nas relações de afeto, no respeito e na educação.
A lucidez da individualidade, aliada a virtualidade das relações não nos faz esquecer nomes, fatos importantes da vida, porém não garante a percepção, tampouco a valorização dos laços com o próximo. As pessoas se afastam. E o ônibus não vem. As pessoas não se olham. E ainda aguardam a chegada da condução. Parado o ônibus, sente-se o calor humano, num empurra-empurra lúcido, sem considerar a senhora que está de pé, ou grávida com os pés inchados.
Antes um Universo de “loucos”, sem caráter pejorativo a palavra, que um mundo lúcido. A lucidez nos alienia, e como consequência fasta-nos. Somos lúcidos, mas insensíveis. Além do mais, do que vale a lucidez, quando, ao que parece, perdemos-a nos momentos mais importantes de nossa vida? Nas eleições, por exemplo, é visível a escassez de pessoas lúcidas, bem como a falta de memória dos eleitores, que ano após ano, erram. Pecando por insistir neste erro.
Quem esquece ou ignora o desejo de um bom dia, não tem sensibilidade para eleger um representante, quem dirá representar. Fico com os não lúcidos, que ao menos alegram o dia com seu sorriso.
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