quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Desmitificando a Amazônia
Na escola, ainda nos jardins da infância adorava ler as historinhas de nosso folclore, sobre o Saci Pereré, a Mula-Sem-Cabeça, o estranho Curupira, a agitada Caipora. Sonhava ser a Sereia e sempre achei suspeita a história do Boto Cor-de-Rosa. Pra mim todos eles existiam e qualquer dia poderia deparar com eles na rua. De alguns, confesso tinha medo, outros apenas curiosidade. Seria legal ser amigo do mocinho de “cachimbo na boca, soltando fumaça”, mas preferia manter distancia do rapaz que tem os pés virados para trás.
Teve uma época que acreditei no lobo-mau, no homem-do-saco, na fadinha-do-dente. Mas logo veio-me a desconfiança e junto dela a decepção. Por que me enganaram por tanto tempo? Era criança, argumentam. Nada melhor que viver no mundo do faz-de-conta.
Passada a fase folclórica e dos contos-de-fada, novamente fui enganada. Não com histórias fabulosas para deixar meus dias mais encantados. Desta vez, com mentiras, disfarçadas de verdades. Por incrível que pareça, não trato aqui da política nacional, embora a carapuça de falsidade mascarada de veracidade, sirva direitinho.
Enganaram-me sobre meu país e sobre o povo de minha nação. A mídia ao mesmo tempo que informa, é alienante. Ao mesmo tempo que especifica, rende-se à generalização. Enquanto a lente foca a sua frente, perde-se as demais parcelas dos arredores.
Em viagem à Amazônia, decepcionei-me com aquilo que me diziam. Surpreendi-me com aquilo que vi. Admirei de forma indescritível tudo o que presenciei.
A Floresta densa, bela e de infinita variedade resumiu-se a uma trilha de 40 minutos, que fascina pelas cores, chama atenção pelos sons e surpreende pelos aromas que constantemente variam, desaguando numa refrescante e cristalina cachoeira.
As onças, os jacarés e as belas araras deveriam estar em viagem. Ou mais uma vez fui enganada. Sobre o Rio Negro navegávamos. Ora ou outra um pássaro, e com mais raridades, botos, cinzas, e não cor-de-rosas como dizem por aí. Sequer vi uma cobra. Tive que contentar-me com um sapinho. Cheguei a questionar: estou mesmo na Amazônia? Sim, estava. Logo avistei um belo Tucunaré.
Por falar em animais, grande receio tinha dos insetos. Confesso que a fama dos mosquitos amazônicos fez com que corresse o risco de me intoxicar, de tanto repelente. Pesquisadores, mais acostumados com a região, nenhum produto usavam para repelir, até porque, onde estavam as moçorocas? Mais uma vez, as informações que me foram passadas estavam erradas. Os mesmos mosquitos de lá, são os de cá, com exceção do mosquito da malária, que infelizmente acomete famílias com considerável frenquência.
O calor amazônico não é o que vem do sol. Garanto-lhes. Esse as águas turvas do Rio Negro refrescam e as barrentas do Solimões amenizam. O calor é humano. E isso percebe-se ao olhar aos amazonenses. Os olhos que fitam e incendiam. O sorriso que aquece. A acolhida da população amazônica ferve em gratidão, que logo refresca com a oferta de um copo d´água. A alegria de viver com tão pouco é transcrita num abraço caloroso.
O afeto do povo amazonense, fez com que minha atenção voltasse-se para aquela população. Sabia que tinha algo estranho, apesar de toda acolhida. O estranhamento foi justificado: sentia falta das penas e da pintura corporal. Onde estavam os índios da Amazônia?
Estavam numa oca, que imitava as casas tradicionais indígenas. Uma imitação interessante, mas sem credibilidade. Pessoas indígenas, que ao invés de vivenciar as tradições, encenam espetáculos, e cobram por esta exibição. Uma forma de garantir o sustento, mas que fere a ideia de tribo indígena.
Sem indígenas como aqueles dos livros, conformei-me, e assumo, encantei-me com caboclos da Amazônia. Caboclos que vivem em casas de madeira. Caboclas vaidosas, que trocavam dicas de beleza, com nós, garotas da cidade grande. Pessoas que adoram uma geladinha e não dispensam um belo X-salada. Famílias que não perdem um capítulo da novela das oito, e já têm na coleção de DVDs, o filme “Lula, o Filho do Brasil”. Sim, lá existe pirataria.
Caboclos que se comunicam via rádio, pois segundo Dona Glória é mais prático e mais econômico. Sim, tem sinal de celular na Amazônia.
Caixas de som muito potentes faziam a trilha das comunidades. Guitarra e bateria, despertavam o dom de muitos jovens.
Gente como a gente, que nos deixa à vontade. Que nos conta histórias, e apreciam ouvir as nossas.
Pessoas que nos fazem perceber o quanto somos idiotas a ponto de precisar de muito para ser feliz. Descancaram de forma sincera e sem ofensa, nossa ignorância, enraizada em um mito lendário e desatualizado.
Dona Maria da Glória, moradora da comunidade do São João, foi enfática em suas considerações: “As pessoas acham que a Amazônia, Manaus só existe índios, que as pessoas ainda vivem aquela vida primitiva. No entanto, infelizmente, eu acho que é falta de oportunidade das pessoas passearem, conhecerem. É falta de informação para conhecer os lugares lindos que nós temos, com pessoas maravilhosas, acolhedoras. Infelizmente, muitos lugares de nosso país ainda existem pessoas com essa forma de pensamento, de visão. E isso, às vezes deixa a gente triste.”
Nós, estudantes que fomos até a região do Tupé, na Amazônia, achávamos que muito tínhamos para ensinar, no entanto fomos nós que muito aprendemos. Conhecemos o Estado Amazonas com o olhar dos ribeirinhos. A desmitificação foi uma consequência.
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Isso está melhor daquilo que eu li no barco. Muito melhor! Parabéns! Desenvolveu bem suas idéias.
ResponderExcluirEu já não tive medos folclóricos na infância, e sou um defensor de atualizarmos essas historinhas para um contexto mais moderno, mais factível para as crianças... algo como o Homem do Orkut, ou a Mula do MSN. Aí sim as crianças iam se comportar!
Realmente essa pequena parte da Amazônia foi surpreendente. Se serve de consolo, tem um montão de tribos, onças e mosquitos te esperando em outras partes da Amazônia, haha. Se bem que conhecendo você, não deve estar com tanta pressa para conhecê-los.
Nota 9.5 pro texto.
Luquinhaaa?? Fernando?? Sandrinho??...
ResponderExcluirAquele dia no barco me desanimou... acho que foram os banzeiros que prejudicaram o andar do texto... rsrs
Pois é, acho que deve-se atualizar, mas na minha época - década de 90 - era assim.. rsrs
Olha, eu queria ver onça.. rsrs de longe, mas queria...
Obrigada pelos comentários, e pela nota.. =)
Um jovem banqueiro americano, estudante meu de português, queria muito ir ao Brasil, decidiu ir a Amazônia primeiro. Se surpreendeu demais, principalmente com isto: a maioria dos turistas são estrangeiros. Uma vergonha que a maioria de nós brasileiros demos as costas ao que há de mais valioso e lindo no nosso país. Mais uma vez, parabéns pela viagem. Ótimo artigo também. Beijos - Simone
ResponderExcluirSimone, confesso a você que este era e será o tema do próximo post aqui do blog. Isso é a mais pura verdade, infelizmente.. depois a gente grita que a "Amazônia é nossa"?? Comentamos mais no próximo post =)
ResponderExcluirObrigada minha querida, eu que agradeço seu apoio e comentários :D
Um Beijo!