quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Livro, numa sociedade de cultura publicitária


No primeiro artigo deste blog enfatizei seu objetivo e a importância dos comentários, para que desenvolvêssemos discussões e debates, que sempre acrescem algo e são indispensáveis numa sociedade que prega a liberdade de opinião. Recebi críticas, elogios. Muitas ideias foram divergentes, enquanto outras alcançaram um ponto de convergência. Fiquei satisfeita em ambos casos.

O blog, enraizado em sua essência política, foi tido, por alguns, como implicância ao atual governo, tamanho o grau de insistência, por minha parte, em discordar de dizeres e ações de nosso presidente. No entanto que culpa tenho eu se Lula, em suas metáforas, ironia e amizades suspeitas, não é condicente aos meus princípios? A cada ação deste líder carismático, indignação pairava em minha mente e em casos em meu coração. Ora, eu que sempre sonhei em exercer a função de jornalista, era pejorativamente apresentada à sociedade como formadora de opinião , restringindo minha atuação ao importante ato de informar, porém impossibilitada de fiscalizar. Pode parecer persistência, ou mesmo de fato implicância, mas a luta por um sonho, não pode ser diluída em frases de impacto de um “cara” que se considera acima do bem e do mal.

Nada comentei sobre o caso da Geyse, afinal se a garota estava trajando roupas inadequadas ao ambiente universitário, seus companheiros de faculdade também não souberam se portar como graduandos. Ou ainda, se a garota do vestido rosa tem direito de se vestir como bem quiser, alunos da Uniban, podem se manifestar como bem entendem. Até mesmo nus, pasmem!

Sobre o apagão, também preferi manter-me nas trevas. Afinal o que são quatro, cinco horas no escuros? Esquece-se que um minuto pode salvar uma vida e que segundos são decisivos numa partida de futebol. A grande questão aqui, como ressaltado por Luíz Eduardo Horta, é o “apagão moral dos que enriqueceram à sombra do poder” e a obscuridade em que informações são passadas a sociedade. Raios, chuva ou ventania? Nada explicado, tudo escondido, aproveitando as luzes apagadas.

Será capaz um melodrama virar publicidade? Ou mais viável uma propaganda fantasiar-se com a essência melodramática? A partir de primeiro de janeiro poderei comentar sobre estas questões, no entanto, parece-me coincidência demais, o filme “Lula, o Filho do Brasil” ser lançado em 2010, justamente quando o petista tenta eleger sua pré-candidata a presidência. Otávio Cabral afirma que a “obra de arte, portanto, é irretocável peça de propaganda”, o que parece verídico, dado o grau coincidente deste lançamento.

Tais levantamentos são importantes. Porém, neste artigo prefiro não causar polêmica, nem divergir ideologias. Quero retratar um “fato-ônibus”, afim de que cheguemos a um consenso.


“Eu li um livro”. Assim começa a história do catador de lixo, Júlio César, 43 anos, retratada no documentário “Eles não vão à Daslu”.
Está frase é dita com orgulho pelo protagonista, reforçada com argumento de que a leitura de bons livros, fazem este catador viajar e conhecer culturas: “Nossa, eu viajava, parecia que eu conhecia a França”, ressalta o interlocutor.

Júlio César, ao contrário da catadora de recicláveis, D. Eunice, já descrita em um post (“A insensibilidade sensacionalista”), vai contra a imagem consensual que se tem da população marginalizada, que muitas vezes consente com sua atuação, ou melhor, não atuação na sociedade, mantendo-se passiva, imune de voz, isenta de oportunidades.

Não há dúvidas que a leitura, permitindo o acesso a cultura e a visões críticas de várias assuntos, contribuíram para que Júlio César surja como exceção.
Além de catador de lixo, o rapaz é ex-presidiário. Sua consciência política e luta pela dignidade humana e de direito, com certeza não foi desenvolvida atrás das grandes, tampouco, adquirida na coleta de recicláveis. Sua visão crítica é fruto de seu conhecimento literário, possível através d acesso a livros, permitindo-lhe a leitura de grandes obras.

“O pobre tem tudo na mão”, Júlio César tem consciência disso. Sabe que o povo tem o poder de colocar o governo que quiser no regimento e entende a exclusão, da qual também sofre, como a escassez de oportunidades reias na vida. O ex-detento não mantem-se na passividade. Mais do que lutar por sua inclusão, parece pintar com as palavras, tamanho a intelectualidade e expressividade com que suas frases são formuladas.

César frequentou pouco a escola, mas o acesso a obras literárias enriqueceu seu vocabulário, despertou-lhe para novos mundos, proporcionou-lhe o conhecimento de novas realidades, o que fez com que não se contentasse com este Brasil, com esta sociedade excludente, em que seu presidente, ao invés de prezar pela cultural, dando um exemplo de escolaridade, insiste em usar palavras erradas, ou frases mal construídas, tentando passar a ideia de que faz parte do povo, que veio de origens humildes.
Daí vem a ironia. Pobreza, num país que se preze, não pode subentender analfabetismo ou uma cultura inferiorizada. Num governo que trunfa com projetos como Bolsa Família, nada mais coerente do que o acesso a educação de qualidade, à população de baixa renda. A não ser que a real intenção governamental, seja criar uma massa passiva, sem desenvolver aptidão crítica, afinal, um pouco de conhecimento e autonomia, poderia comprometer o título de o “cara”.

Recomendo o documentário, pois neste fica visível a diferença entre uma pessoa que tem acesso a obras de grandes escritores, e aquelas que permanecem à margem da sociedade. Júlio César, mais que lutar para garantir o sustento de sua família, ressalta que incentiva a leitura entre seus enteados, com argumento de que só assim, eles terão chance de se expressar, e portanto, existir na sociedade.

“Quando Lula puxar uma carrinho ele vai ver a realidade (...) vai dar valor para o povo”. É o que diz Júlio César. Quando a população tiver acesso a cultura e a leitura, o presidente não precisará puxar carrinho, pois o povo terá o conhecimento de seu real valor, e saberá exercer seu poder através do voto.

Como ex-presidiário, o rapaz sabe que a prisão foi feita para os pobres. A falta de atendimento e de recursos do SUS mata vidas, porém não recebe punição. “Tem cara que rouba milhões de boa” e também não é punido.

A visão crítica faz enxergarmos a verdadeira e realidade e nos torna prepotentes para lutar e participar da reconstrução de num novo real. Os livros fazem parte desta construção crítica.

Há um mês do Natal, a campanha #DoeLivroNatal faz sucesso pelo Twitter e é condicente com a formulação de um mundo mais digno, de uma política mais ética e de uma sociedade mais ativa.
Mais que a doação de brinquedos, a campanha dos livros é interessante e de suma importância, ainda mais neste país, onde coisas gritantes acontecem e a população cala-se, atos ilícitos permeiam e o povo é condiz.

Se lessemos Machado de Assis, os olhos de ressaca de Geyse poderiam ser mais tentadores que o vestido curtíssimo. A leitura de Fernando Pessoa nos levaria a um mundo de heterônimos, nos permitindo conhecer o homem do campo, o homem que sofre pela amada, nos apresentaria as diferentes pessoas, proporcionando uma melhor convivência, respeitando as diferenças. Feliz daquele que lê um poema de Manuel Bandeira, se delicia com romances de José de Alencar, tramas de Guimarãoes Rosa, conhece a relidade do Sertão de Graciliano Ramos, leu o “Sentimento do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade.

Triste daquele que é apresentado à cultura através de filmes propagandistas, sem subestimar seus diretores, mas que têm como mais importante que a história, enredo e repertório cultural, interesses políticos.

É fato que precisamos desenvolver um sociedade mais crítica, que lute por seus direitos. Isto só será possível através do acesso à Educação de qualidade, à valorização da cultura, partir também da leitura de bons livros. Espero que ao menos neste ponto encontremos um consenso e que neste Natal, muitos sejam presentados com livros!

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