domingo, 1 de novembro de 2009

A insensibilidade sensacionalista


É difícil tocar o coração, sem apelar ao sensacionalismo. O documentário “Eles não vão a Daslu”, tocou meu coração, mas para muitos produziu apenas o efeito “sensacional” explorado pelos vídeos e pela TV. Ingenuidade de minha parte? Insensibilidade da parte deles? Difícil saber. A questão é que o filme retrata a realidade de dois catadores de lixos recicláveis. Curiosamente, essa semana, Lula se reuniu com um grupo de catadores, aproveitando a ocasião para criticar jornalistas, mas isso não vem ao caso.(Confira post “Ah, esse presidente...”).

Dona Eunice, 42 anos, representou uma dura realidade. Muitos filhos, baixa instrução, expressão facial sofrida, muita força nos pés e nas mãos. Frases curtas, palavras tímidas, porém suficientes para expressar a vida difícil que a senhora, ironicamente, desfruta: “Minha filha tem vergonha de mim.” No entanto, nas entrelinhas das frases há vestígios de esperança, e retratam que a felicidade não é utopia: “Fico alegre quando consigo encher meu carrinho.” E pensar que arrancar um sorriso muitas vezes é tão difícil...
Eunice, com toda simplicidade e humildade, demostrou minha fragilidade, impotência e alienação. O que posso fazer para reverter esta realidade? Como posso ajudar essa mãe batalhadora? Nestas situações sinto-me tão pequena, fraca e sem utilidade. Ajudo como posso, mas infelizmente não posso o tanto que Eunice necessita. O pior é que não se trata de um ou dois casos, é uma realidade que atinge muitas famílias. E o que mais me causa indignação é que, quem pode ajudar, tem o poder e recursos para isso, não o faz.

A catadora de lixo também despertou em mim um sentimento de culpa. Eunice, com olhar triste fitando seus filhos, disse: “O dia que a gente mais sofre é o Dia das Crianças, a Páscoa e o Natal”. Como assim, “mais sofre”?
O Dia das Crianças, não é quando os pequeninos ganham presentes? Na Páscoa não nos esbaldando em chocolate? E o Natal não é o momento que reunimos a família, trocamos mimos, brindamos, sempre regados à muita fartura? Questionei-me: “Onde há sofrimento nisso tudo?”. Infelizmente, de forma rápida, veio-me a resposta.
Sofre-se no dia 12 de outubro quando o salário é insuficiente para comprar uma boneca ou um carrinho. Há sofrimento na Páscoa quando a compra de um ovo de chocolate, compromete a aquisição do arroz e feijão para mês. Nos deparamos com sofrimento no Natal, quando a família esta desestruturada, os mimos são inacessíveis, os brindes supérfluos e o décimo terceiro é incapaz de suprir a fartura.

Não sei até que ponto, assistir essa história em uma tela de alta definição, no conforto do estofado, ao som de home theater, segurando um balde de pipoca, pode ser comovente. Muitos do que assistiram o documentário comigo não se sensibilizaram, e estou ciente de que não será este texto o fator sensibilizador. A história, de fato, não é novidade para ninguém, afinal, quantas donas Eunice não acordam antes do sol nascer para garantir o sustento dos filhos?
O problema é que conhecemos tais histórias, mas não as consideramos. Ouvimos sem escutar. Vemos sem enxergar. Encaramos-as como uma realidade distante, mas nunca nos preocupamos em perguntar se nosso vizinho precisa de algo. Somos reféns do comodismo e do conformismo. Podemos até derramar lágrimas de comoção, mas somos incapazes de abrir mão de regalias desnecessárias.

Enquanto nos banhamos em excessos, muitos sofrem com o insuficiente. Enquanto queremos um buquê de flores, muitos contentam-se com a rosa do jardim da praça. Enquanto somos egoístas, há aqueles que dividem um pão, em quantos pedaços forem necessários. Enquanto comemoramos, Eunice e seus filhos continuam sofrendo...

Tudo que escrevi não muda a realidade. As palavras, infelizmente, não têm essa façanha. Frases bonitas não matam fome, nem transformam sofrimento em comemoração. Sozinhos, não somos capazes de cultivar uma floresta, nem incapazes de plantar uma árvore. Não somos capazes de erradicar a pobreza, tampouco incapazes de partilhar um prato de comida.

2 comentários:

  1. O problema alheio não afeta o homem, a não ser que o problema alheio passe a lhe afetar também. Quando não afeta, passa desapercebido, como a Dona Eunice. Quando afeta, como exemplo o assalto, os mendigos pedindo esmola na rua, criticamos. Mas criticamos quem?

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  2. Rodrigo, você levantou uma questão importantíssima. Não sabemos quem estamos criticando, muito menos sabemos de quem é culpa...
    Gostei do comentário, trata de um assunto que poderá ser tema de outros post.

    Obrigada pelo comentário =)

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