quinta-feira, 4 de março de 2010

Política e Novela

Na verdade, o texto aqui postado, é uma resenha recentemente solicitada na disciplina de Telejornalismo. O tema é pertientente e instiga ao debate, por isso compartilho com vocês.


Em “Política e Novela”, a autora Esther Hamburger, inicia sua análise apresentando um breve histórico das telenovelas, que tornaram-se diárias a partir de 1963, com introdução do videotape, apresentando grande sucesso já em 70, com a Rede Globo, tendo destaque, inclusive, no exterior.
A autora considera vários trabalhos que analisaram a ideologia das novelas, num viés político, industrial e comercial. Sobre isso, Hamburger destaca que com a democratização na década de 80, as tramas novelísticas passaram a abordar temas nacionais, dilemas políticos, sendo que já em 90, chegam a intervir na política e em aspectos sociais, o que é justificado pelo “desgaste crescente da política institucional”, que “leva à busca de mecanismos informativos e formadores de opinião alternativos” (página 27).
Esther ressalta ainda que embora barreiras sejam diluídas entre novelas e demais gêneros, a intervenção política e social gera paradoxos, citando como exemplo a novela “Rei do Gado” (1996), que incorporou a luta pela reforma agrária, levando a novela às páginas políticas e editoriais.
Com esta contextualização a autora divide sua análise em duas partes.

A primeira considera a Política Institucional e tem como destaque o Senador Darcy Ribeiro, que dedicou duas de suas colunas da “Folha de S.Paulo”, ao Senador fictício Roberto Caxias, personagem honesto, voltado à reforma agrária como questão moral, interpretado em “Rei do Gado”.
No primeiro artigo dedicado à Caxias, Darcy Ribeiro faz alusão a Medida Provisória do presidente Fernando Henrique sobre o Imposto Territorial Rural, atribuindo o ato à campanha do Senador da ficção: “'Viva o Senador Caxias, que pôs a boca no mundo, dando voz veemente a esses reclamos. E viva FHC, que ouviu,afinal.'”(página 30).
Comprovando a interação real/ficção, Esther cita o capítulo em que Caxias salienta a perseverança de Darcy. Outro capítulo de destaque é o do funeral do Senador Roberto, embalado pelo choro do também personagem Regino, que supostamente foi inspirado em José Rainha, líder do MST (Movimento Sem-Terra). O velório teve ainda os pesares dos Senadores do universo real, Eduardo Suplicy e Benedita da Silva, havendo simultaneamente uma cobertura real e fictícia.
Este episódio voltou à mídia semanas depois, quando o funeral de Caxias foi relembrado pela coincidência do funeral de Darcy Ribeiro.

Embora Suplicy e Benedita da Silva tenham participado da novela, a autora Hamburger salienta que alguns políticos discordaram publicamente da trama, com críticas por difamação e distorção, o que o autor de “Rei do Gado”, Benedito Ruy Barbosa, negava, com justificativa de ter como intenção prestigiar o Congresso, através da honestidade de Caxias.
Com o discussão, “Rei do Gado” levou a política institucional para o caderno dominical televisão de “O Estado de S.Paulo”, além de a própria revista do PT (Partido dos Trabalhadores) debater a abordagem dos sem-terras.

No outro extremo Esther cita os líderes fazendeiros, que embora tenham se identificado com os ruralistas da ficção, discordavam da imagem retratada, sendo que chegaram a apelar à questões jurídicas, reivindicando direito à resposta, no episódio da morte do Senador Roberto Caxias, pois segundo interpretações, a novela deixava pressuposto a culpa dos ruralistas no fato. Tendo como contraste os líderes do MST, a autora cita as saudações e apoio à novela,embora valorizassem sua autonomia.
O assunto foi destaque na mídia, com discussões no Roda Viva da Tv Cultura, e espaço também para José Rainha que embora apoiasse a novela fez críticas, como da escolha da cor verde, ao invés do vermelho do MST.
A novela deu uma visibilidade inédita ao movimento dos sem-terras, instigando ao debate e gerando uma publicidade, até então inédita na TV.
Até no último capítulo, como destaca Esther Hamburger, a novela funde realidade e ficção, com a trama preparando a chegada de sem-terras à Brasília, o que se concretiza cerca de dois meses após o fim de “Rei do Gado”.

O texto “Política e Novela” ressalta “Rei do Gado” como responsável pelo rompimento de barreiras, permitindo a penetração da trama nas seções de Economia e Negócios, inclusive como um produto comercial. Chegou a pautar reportagens em revistas juvenis como a “Capricho”. Destaca que a trama conseguiu levar o gênero novela, considerado “menor”, para seções políticas, por exemplo.


Na segunda parte de sua análise, a autora situa-se no campo privado, no qual, segundo a própria afirma, o contexto doméstico considera como trama, não a reforma agrária, mas sim o adultério feminino e a violência contra a mulher, embora levantem o assunto agrário como crucial.
Nesse aspecto, os conflitos domésticos e a instabilidade familiar, representados na novela despertam a atenção de outros veículos, sendo que esses dramas acabam “funcionando como um idioma, um repertório por meio do qual telespectadores aludem as suas relações pessoais”(página 40).

Em relação a Caxias, Hamburger revela que o Senador é saudado pelo setor privado, quase que de forma unânime, assim como o posicionamento de Darcy Ribeiro, Benedita da Silva e Eduardo Suplicy, embora haja a sensação de que político como Roberto Caxias, só existe na ficção. Este assunto político torna-se consensual entre os telespectadores, não gerando grandes emoções, tampouco controvérsias. Alguns espectadores chegaram inclusive a ressaltar a idealização presente nos personagens da novela, com equívocos perante imagem dos fazendeiros e até a falta de autenticidade do MST.


Numa sucinta conclusão, Esther considera a intervenção de algumas tramas, em temas correntes, citando a novela “Explode Coração”, que abordou a caso de crianças desaparecidas, com referências políticas, exibição de imagens das crianças, que promoveu reunião de famílias, havendo até “merchandising social”(propaganda de ONGs, como “Viva Cazuza”).

A autora ressalta ainda, em sua analise concluente, a indiferença de alguns telespectadores perante a participação de políticos em “Rei do Gado, contrastando com aqueles que julgavam como “oportunismo politico”.
Além disso, Hamburger considera a violação partidária de Rei do Gado, não legitimando a novela como “independente”.

Esther Hamburger finaliza seu texto, levantando paradoxos, já que, embora novela seja voltada para as mulheres, muitos homens são seus telespectadores, da mesma forma que, embora as tramas sejam voltadas para vida doméstica e privada, também aborda-se a politica e a vida pública.

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